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ENTREVISTA A MARIA LÚCIA RANGEL
(Biscoito Fino) - em português
Joyce se lembra bem do primeiro disco, de 1968. Mas quantos gravou de lá até hoje não tem certeza. Talvez 24 ou 25. Sabe que quase todas as bolachas já foram transformadas em CDs. Artista que transitou sempre pelas mais diversas áreas musicais, Joyce mostra em Gafieira Moderna, lançado pela Biscoito Fino, a música brasileira que se dança lá fora, e que remete à gafieira tradicional, que sempre a interessou muito, principalmente por contar com excelentes músicos de sopros.
MLR - O que é uma gafeira moderna?
Joyce - Há mais ou menos 10 anos, existe uma onda de música brasileira lá fora – aliás, uma onda que dura 10 anos já virou um maremoto – que aconteceu a partir da juventude européia. Começou em Londres com os DJs, que botavam nas pistas música brasileira dos anos 60 e 70 porque achavam extremamente suingada e boa de dançar.
MLR - Música de quem, por exemplo?
Joyce - Tamba Trio, Edu Lobo, Marcos Valle, João Donato, coisas assim. E muito instrumental, como o Samba Jazz dos anos 60 e 70, tipo Meirelles e o Copa 5. E o mais incrível é que era tocado a seco, no original mesmo, ainda sem o remix. Em 93 a minha música vinha sendo muito tocada nessa cena, principalmente o disco Feminina, de 1980. Convidada por esta rapaziada para fazer show, fui a Londres pela primeira vez e vi cerca de duas mil pessoas, tudo garotada de 18, 20 anos, num lugar meio parecido com o Circo Voador, dançando alucinadamente e conhecendo todas as músicas. Uma garotada de cabelos verdes, piercing e tatuagem. Fiquei chocada. Gente! O que é isso?
MLR - Você já tinha alguma outra história fora do Brasil?
Joyce - Tinha no meio do jazz. Mas nunca com este público de garotada, para dançar. Para mim, é isso a gafieira moderna. O lado dançante da música brasileira, com um público muito, muito jovem, e completamente moderno.
MLR - Por causa deste fenômeno você tornou seus arranjos de Gafieira Moderna mais dançantes?
Joyce - Na verdade, é tudo uma progressão da música que já vinha fazendo. Você vai se aperfeiçoando numas coisas, descobrindo outro caminho ali, mas sem mudança oportunista de direção para agradar o público. Continuei fazendo a música que sempre fiz e Gafieira tem sido um sucesso.
MLR - Como você explica ter mais sucesso na Europa, Estados Unidos e Japão do que no Brasil? Há discos seus que só existem no Japão.
Joyce - É verdade. Eu acho que de uns anos para cá os ouvidos no Brasil foram ficando mais duros com relação à música. Houve uma época em que você ligava o rádio e escutava música boa. Isto não acontece mais. Então, a partir do momento em que o mundo abriu os braços para a minha música, não tinha como não ir.
MLR - Quando você gravou pela primeira vez?
Joyce - Meu primeiro disco é de 68, Joyce. Faz 35 anos ano que vem. Continuei gravando mas o Feminina, de 1980, foi o primeiro que estourou. As músicas ficaram muito conhecidas, até porque muita gente gravou, como Milton, Bethânia, Gal, Elis. Mas, à medida que os anos 80 foram avançando eu fui ficando meio desanimada com a cena.
MLR - E como vive um artista que depende do seu trabalho em uma cena desta?
Joyce - Muito desanimado de ver a indústria tomada por músicos medíocres. É o que tem nas grandes gravadores hoje em dia. Não falo nem dos artistas, mas das pessoas que regem, que programam. Geralmente músicos que não deram certo e levam a música para uma jogada comercial.
MLR - Como o exterior tomou contato com sua música?
Joyce - Descobriram e foram me convidando. Começaram a sair matérias em revistas de jazz, como a Jazz Hot e a Latina. Aí, virei cult no exterior. E vieram os convites. Gravei três discos na Verve, gravadora americana famosa de jazz: dois nos Estados Unidos e um na Alemanha.
MLR - Foram lançados no Brasil?
Joyce - Pelo departamento internacional (risos). Isso foi no final dos 80, início dos 90. Comecei a gravar muito no exterior e a fazer muito show. E, como opção, decidi ser uma artista independente. Nunca mais fiz nenhum contrato de longo prazo com ninguém, o que me possibilitou uma mobilidade muito grande. Hoje vivo numa situação bastante confortável do ponto de vista artístico e que acaba sendo confortável também sob outro ponto de vista, o de poder escolher.
MLR - Com o sucesso no exterior você passou a compor alguma coisa em inglês?
Joyce - No tempo da Verve sim, porque o público americano é o único que tem problema com esse tipo de coisa. A conselho do Tom, eu mesma verti músicas minhas. Até levei algumas coisas para ele corrigir e ver o que achava. Eventualmente compus uma ou duas músicas direto em inglês. O “Gafieira Moderna” tem uma, “The Band on the Wall”, que fiz em Manchester, na Inglaterra. É um clube de jazz considerado o mais antigo da Europa. Na época da guerra, a banda tocava num lugar embutido na parede. Você tem uma característica generosa que é convidar artistas novos e conhecidos para participarem de seus discos e shows. Recentemente levou João Donato e Johnny Alf para o Japão. Quem você convidou para participar de “Gafieira Moderna”?
Joyce - A Elsa Soares. Mas não vejo isso como generosidade, pois não estou dando nada. Estou compartilhando.
MLR - Você foi criada onde?
Joyce - Rio de Janeiro, Copacabana, Posto Seis.
MLR - E a música? Como entrou na sua vida?
Joyce - Meu irmão, 13 anos mais velho, tocava violão, fazia baile e era amigo da turma toda. Pedi um violão a meus pais e não ganhei (risos). Minha mãe achava que eu não ia levar até o fim e meu irmão não tinha paciência de ensinar. O que fiz? Quando meu irmão ia trabalhar, pegava o violão e ficava praticando. Acabei aprendendo sozinha.
MLR - Você chegou a ter aula de música?
Joyce - Com 18 anos fui estudar teoria com a Vilma Graça e violão clássico com Jodacil Damasceno. Minha mãe continuava sendo contra, mas a música foi mais forte. E meio forçando a barra, me formei em jornalismo na PUC e cheguei a trabalhar no JB.
MLR - Hoje, com seu programa na TVE, você une o jornalismo à música.
Joyce - De certa forma sim. Escrevi um livro, “Fotografei você na minha roleyflex”, o que motivou um convite do jornal O Dia para uma coluna. Fiz durante dois anos e parei. A história do programa da TVE é diferente porque a música está muito envolvida.
MLR - Você se considera meio cria da Bossa-Nova?
Joyce - Completamente. É minha grande influência.
MLR - E na música internacional? O que te influenciou?
Joyce - O jazz. Ouvi também muita música clássica. Mas o samba foi uma grande influência.
MLR - Qual é a sua relação com o samba? Até agora você citou músicos que não são sambistas.
Joyce - O samba é a música do Rio de Janeiro. No meu início de carreira fui muito bem recebida em várias áreas. Tinha a turma dos baianos, que foi muito legal. A Bethânia foi das primeiras a cantar música minha e chegou a abrir uma janela pra mim num show dela. Fui lá e cantei duas músicas. Tinha o Tom, Vinícius, essa Bossa-Nova mais velha, e a segunda leva, com Francis, Edu, Dori, Marcos Valle. E o mineiros, que brincam até hoje que eu era a musa deles. Da mesma maneira, o grupo do samba me recebeu da mesma forma: Elton Medeiros, Clementina, Paulinho da Viola. Se você pegar meu primeiro disco, de 68, vai encontrar todas as tribos.
MLR - Como você define a sua música?
Joyce - É samba Joyceano. Até fiz o samba do Joyce quando estive em Dublin. Passei por um teatro e li na fachada “Songs of Joyce”. Pensei: Como assim? Não vou cantar aqui”. Fui olhar e soube que o escritor James Joyce cantava, tão bem que a família dele queria que deixasse “dessa besteira de escrever para ser cantor”. Fiz então uma viagem imaginária do James Joyce ao Brasil, com escala em Lisboa, onde toma uma cerveja com Pessoa, e no Brasil sai com uma mulata da Gamboa.
MLR - Você se considera também uma sambista?
Joyce - Acho que sou. É um samba muito urbano. Aliás, me vejo correndo numa raia muito à parte da MPB. Nunca tinha me dado conta até começarem a escrever sobre isso.
MLR - Como você consegue compor com tantas viagens? A inspiração aparece ou você se preparara para compor?
Joyce - O Tom dizia um negócio genial. Se ele tivesse que dar parceia a alguém, teria que dar para o piano. Era ele que lhe dava as melhores idéias. Com o violão é igualzinho. Não tem uma vez que pegue o violão que ele não me corresponda. É impressionante. Se bem que, como disse Cole Porter quando perguntado sobre sua maior fonte de inspiração, respondeu: “it’s the call from the producer”. Isso é genial, porque na hora em que alguém te pede uma música, como agora me pediram para musicar um poema do Drummond, saiu um negócio super legal. Mas quer saber uma hora em que faço muita música? É quando estou fazendo passagem de som e começo a experimentar os acordes. O “Samba do Joyce” foi assim. Estava passando o som no teatro em Dublin e decidi fazer um samba para James Joyce. E saiu.
MLR - Nessas suas andanças pelo mundo você traz muita coisa de fora para sua música?
Joyce - Até acontece, mas sabe o que é engraçado? Quanto mais longe do Brasil, mais eu vou ficando brasileira. Quando você olha o país de longe, vê sempre um Brasil ideal.
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Carolina Gouveia